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Ana Paula Serro: “Ser mulher em 2021 não é igual para todas as mulheres”

No Dia Internacional da Mulher fomos conhecer a Docente e Investigadora do Instituto Superior Técnico que tem estado envolvida em diversos projetos no âmbito do combate à COVID-19.

Ana Paula Serro: “Ser mulher em 2021 não é igual para todas as mulheres”

Ana Paula Serro doutorou-se em Química no Instituto Superior Técnico. Participou como investigadora líder em diversos projetos nacionais e internacionais e é atualmente Diretora-Adjunta para o Programa de Testagem COVID-19 no Instituto Superior Técnico e responsável pelo projeto financiado pela FCT Esterilização de EPIs com radiação gama com vista à sua reutilização”.

Quais são os seus grandes objetivos enquanto investigadora?

O gosto pela investigação surgiu muito cedo na minha vida (lembro-me de fazer da cozinha um autêntico laboratório, com experiências que nem sempre corriam bem, para desepero da minha mãe). Ser cientista era um sonho de criança, acalentado pelas muitas histórias que lia, sobre as descobertas científicas que haviam revolucionado o mundo, e pelos livros que explicavam o porquê das coisas. Pendendo entre a química e a biologia e ciências da vida, acabei por conjugar ambas as áreas no estudo dos biomateriais, e desenvolver trabalho de investigação para diferentes aplicações biomédicas. Passo a passo, fui construindo um grupo, com investigadores mais seniores e estudantes, uns que foram passando e outros que ficaram por partilharem o “bichinho” da investigação”. Consolidar este grupo e as suas linhas de investigação é, atualmente, uma das minhas prioridades. Isto passa por gerar conhecimento útil que possa ser transposto para a indústria e aplicado com custos comportáveis no fabrico de dispositivos que permitam melhorar a qualidade de vida de uma população envelhecida e/ou com diversas morbilidades, como a nossa. Tal só será possível com a colaboração das diferentes partes interessadas (parceiros académicos, industriais e clínicos) e, em particular, com o envolvimento de outros grupos de investigação, nacionais e internacionais, com competências complementares e que desenvolvam trabalho inovador de elevada qualidade.

De que forma é que a investigação ganhou maior relevância com a pandemia?

A pandemia mostrou claramente à sociedade a importância da investigação. Desde a fase inicial, as universidades, laboratórios e centros de investigação uniram esforços com os seus parceiros industriais e criaram condições para que pudessem ser dadas respostas rápidas às necessidades imediatas. Foi graças a uma série de iniciativas deste tipo que foi possível produzir equipamentos de proteção individual, desinfetante, kits de testagem, protocolos de testagem PCR e ventiladores, que na altura não existiam. Essas parcerias foram e continuam a ser determinantes no combate à pandemia, nomeadamente no desenvolvimento de vacinas, formas de tratamento, novos testes, mapas de risco e outras ferramentas de suporte ao controlo da doença. O exemplo da vacina desenvolvida pela universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, sendo o mais mediático, não deixa de ser apenas isso: um entre milhares de exemplos que ocorrem todos os dias, por todo o mundo e em Portugal também.

O grande desafio da investigação em tempos de pandemia é o fator tempo. Apesar do esforço e dedicação incomensuráveis por parte dos nossos cientistas, não é fácil, agindo em cima do acontecimento, tentar desenvolver de forma rápida soluções para combater um vírus praticamente desconhecido até há um ano atrás.

Está envolvida em diversos projetos relacionados com a COVID-19, quais os principais desafios destes projetos?

Com efeito, além do projeto que permitiu o desenvolvimento de um kit de testagem nacional, em colaboração com a Universidade do Algarve e a Hidrofer, e do Programa de Testagem à COVID-19 que coordeno no Instituto Superior Técnico (desenvolvido em parceria com a ULisboa), que nos tem ajudado a controlar a propagação do vírus entre a comunidade académica, estou envolvida em dois projetos de investigação.

Um deles, liderado pelo nosso grupo, está a terminar e teve como principal objetivo avaliar a possibilidade de usar radiação gama (disponível no Campus Tecnológico Nuclear do Instituto Superior Técnico, em Sacavém) para esterilizar equipamentos de proteção individual (EPIs), nomeadamente peças de vestuário, garantindo que os mesmos possam ser reutilizados de forma eficaz e segura. Identificámos, em parceria com o CITEVE, materiais que podem ser submetidos a mais de 20 ciclos de esterilização e lavagem, e que, a indústria textil nacional poderá utilizar na produção de EPIs para as unidades prestadoras de cuidados de saúde. Tal seria uma mais valia em termos de redução de custos e dependência de fornecedores externos e diminuiria significativamente o impacto ambiental associado à utilização de material descartável.

O outro projeto, liderado pelo IBB, irá arrancar em breve e visa desenvolver partículas funcionalizadas para enriquecimento e deteção eficiente de SARS-CoV-2 em amostras clínicas e ambientais. A ideia é desenvolver uma metodologia que permita aumentar a sensibilidade da deteção do vírus, de forma a poderem ser utilizados fluidos alternativos como saliva e urina. Este desenvolvimento trará também melhorias na deteção viral em águas residuais, podendo servir de alerta para possíveis surtos.

Acredita que estamos a evoluir no que concerne à igualdade de género?

Sim, mas ainda temos um grande caminho a percorrer. O tempo em que vivemos nada tem a ver com o das nossas mães ou avós. As mulheres conquistaram inúmeros direitos e têm hoje em dia, na nossa sociedade, plena consciência do seu potencial e onde podem chegar, valorizando os seus direitos como cidadãs, mães e trabalhadoras. No entanto ainda existem muitas assimetrias: a desigualdade salarial nalguns setores, entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções, ou a reduzida quantidade de mulheres em cargos de chefia de empresas são exemplos disso. Também a questão da violência doméstica é um exemplo gritante. Já muito foi feito, mas ainda há muito por fazer.

Como é ser mulher em 2021?

Não é fácil responder a esta pergunta. Com efeito, para mim, ser mulher em 2021 é poder ter a liberdade de dizer o que penso, escolher o meu percurso, lutar para alcançar os meus objetivos, sem barreiras. No entanto, estou consciente que há muitas mulheres em 2021 que não podem dizer o mesmo que eu. Pessoas, como nós, que pelo simples facto de terem nascido com dois cromossomas X e no local errado não têm a mesma liberdade nem as mesmas oportunidades. Ser mulher em 2021 não é igual para todas as mulheres.

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