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Investigação e Desenvolvimento

Investigação liderada pela Faculdade de Letras revela que mumificação pode ser mais antiga do que se pensava

A mumificação de cadáveres era mais comum na pré-história do que se sabia anteriormente, revela um novo estudo internacional, liderado por arqueólogos do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e das Universidades de Uppsala e Linnaeus na Suécia, agora publicado no European Journal of Archaeology .

Investigadora Rita Peyroteo-Stjerna no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, a trabalhar com os esqueletos mesolíticos

Esta descoberta realizou-se nos sítios arqueológicos de concheiros do vale do Sado em Alcácer do Sal, datados de há cerca de 8.000 anos. Com esta investigação, e pela primeira vez, “existe evidência de práticas de mumificação até agora desconhecidas para períodos desta antiguidade”, revela Rita Peyroteo-Stjerna, uma das coordenadoras do estudo e investigadora da UNIARQ e da Universidade de Uppsala.

Os investigadores descobriram que, em pelo menos dois casos analisados em Arapouco e Poças de S. Bento, os cadáveres foram enterrados em estado dissecado e mumificado, em posições extremamente constrangidas, com as pernas flectidas e colocadas à frente do peito. Rita Peyroteo-Stjerna explica que “durante a decomposição cadavérica, é normal que os ossos se desarticulem ao nível das articulações mais fracas, mas nestes casos essas articulações foram mantidas”. O padrão de hiperflexão do esqueleto e a ausência de desarticulação poderão dever-se à colocação do corpo na sepultura, num estado dissecado como um cadáver mumificado, e não como cadáver fresco, sugere a investigação.

Os arqueólogos apontam, também, para o facto de “existir pouco ou nenhum sedimento entre os ossos destes indivíduos, enquanto as articulações foram mantidas pelo preenchimento contínuo do solo circundante evitando o colapso do esqueleto, apoiando a hipótese de os corpos terem sido dissecados antes do enterro”, acentua Rita Peyroteo-Stjerna.

Para este estudo, a equipa de investigação utilizou material fotográfico inédito das escavações realizadas nos anos sessenta de 1900 nos concheiros de Arapouco e Poças de S. Bento, no vale do Sado. A conjugação de métodos da arqueotanatologia com experimentação forense sobre decomposição humana foi essencial na análise da documentação.

Os dados agora revelados ressaltam a relevância dos locais de enterramento já durante a pré-história. A importância de se manter o cadáver preservado até que fosse possível o sepultamento torna-se também evidente, atribuindo-se desta forma significado ao corpo e ao local de sepultamento no Portugal Mesolítico há 8.000 anos.

A descoberta é ainda mais surpreendente porque, até agora, os exemplos mais antigos de mumificação intencional localizavam-se na região costeira do Deserto de Atacama no Chile. Aqui, era prática dos grupos de caçadores-recolectores mumificar cadáveres antes do enterramento dos mortos. Há cerca de 7.000 anos, os concheiros eram os lugares por excelência para enterros de cadáveres mumificados. Porém, a maioria das múmias que se preservam até aos dias de hoje são, em geral, muito mais recentes.

“A mumificação na Pré-história é um tópico de investigação desafiante, já que estamos em presença de casos em que os tecidos moles já não estão preservados. A esta dificuldade acresce a inexistência de relatos escritos para estes períodos. Para períodos tão antigos é muito raro encontrar vestígios de tecidos moles, mesmo quando dissecados, devido a questões de preservação ao longo do tempo”, diz Rita Peyroteo-Stjerna. Estes sinais são essenciais para reconhecer a dissecação do corpo após a morte, o que em climas temperados e húmidos pode revelar-se problemático. Nestas áreas, normalmente os tecidos moles dos cadáveres apenas se encontram preservados durante algumas centenas de anos.

A Arqueotanatologia, método utilizado nesta investigação, “permite aos arqueólogos reconstruirem como o cadáver foi tratado após a morte assim como a sua posição de enterramento, mesmo após vários milénios”, sublinha Rita Peyroteo-Stjerna. Os resultados da Arqueotanatologia foram conjugados com trabalho experimental sobre a decomposição de corpos mumificados, dirigido por Hayley Mickleburgh, uma das autoras deste estudo, no Centro de Investigação de Antropologia Forense da Universidade do Estado do Texas.

Rita Peyroteo-Stjerna revela, igualmente, que se “prevê que o estudo de ossadas humanas em sítios arqueológicos em Portugal continue a revelar novas descobertas, sobretudo com a integração de novos métodos de análise. Acreditamos que trabalhos futuros irão confirmar que a prática de mumificação como meio de preservação do cadáver é tão ou mais antiga do que o próprio ritual de enterramento”.

Este estudo abre, assim, novas linhas de investigação sobre as práticas funerárias dos últimos caçadores-recolectores, incluindo a preocupação central em manter a integridade do corpo antes do enterramento, controlando a transformação natural do cadáver através da mumificação.

Fonte: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

 

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