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Cultura e Lazer

Dia Mundial da Poesia | Entrevista a Lourenço Duarte

Neste Dia Mundial da Poesia, falámos com Lourenço Duarte, poeta do jornal da Faculdade de Letras , "Os Fazedores de Letras" , sobre uma das suas obras "De um viúvo para sua mulher". Falámos sobre o início do interesse de Lourenço pela poesia e as suas influências. Abordámos a sua experiência no desenvolver de um poema e a sua experiência como aluno da Faculdade de Letras e poeta d' Os Fazedores de Letras .

O Beijo, Klimt. De um viúvo para sua mulher. Dia Mundial da Poesia.

De um viúvo para sua mulher

Saberei de cor o teu último sorriso
A casa de Verão que não chegámos a habitar.
Um dia, muito velho, lembrarei que fiz o
Sino da aldeia tocar… tocar…

A doce terna heróica lembrança do passado
O dia em que as aves fugiram do país.
Vivo como se estivesse ao teu lado
Mas tu aqui não estás. Deus o quis…

Procuro na memória das fotografias
Aquele medalhão que um dia te ofereci.
Ouvisses, meu amor, estas elegias

Escrevo-as com um corpo que já não está aqui.
Fraquejo, tusso sangue, talvez esteja em vias,
Como um bumerangue, de voltar a ti.

- Lourenço Duarte

 

"O gosto de escrever poesia surgiu gradualmente em mim. Aos 17 anos, comecei a ler Nietzsche, ou Marx, e tinha aquela ideia adolescente de querer mudar o mundo. Então escrevia manifestos e panfletos que iria depois imprimir para espalhar pelos candeeiros da cidade. Tinham títulos idiotas, como "O Dantas do Nosso Século!", e eu achava aquilo fantástico. Mas agora que penso nisso, devia estar muito frio nessas noites porque sinceramente nunca o cheguei a fazer. E o caráter quase utilitário com que encarava a escrita foi desaparecendo, dando lugar a
uma postura mais contemplativa, à introspeção dos caminhos interiores, que todos temos, por desvelar.

Só a partir daí comecei a encontrar beleza na poesia, na voz grave e magoada com que se evoca, no silêncio da noite contra a música na rima. De facto, aquele verso do Verlaine vem-me acompanhando desde então: "De la musique avant toute chose".

Hoje em dia, ligamos a televisão e tudo no mundo parece caótico, cataclísmico... E eu encontro na escrita uma forma de fugir a estas coisas: a ordem das palavras, as regras da rima, o logos poético. Por exemplo, sei que um soneto possui sempre duas quadras e dois tercetos, e à norma é impossível fugir. Podemos alterá-la, mas então já não é um soneto. Pode parecer mentira, mas isto dá-me tranquilidade.

Quanto ao resto, já não sei bem explicar. O ato de escrever não me parece nem muito consciente, nem muito autobiográfico, ou intimista. Este poema que escrevi, por exemplo, "De um viúvo para sua mulher", não é de certeza escrito por um viúvo, porque eu não o sou. Procurei abordar mais o sentimento da nostalgia, da perda, da saudade. Nós, portugueses, temos uma relação especial com a saudade, e isso é palpável na literatura, no fado, mas também na mitologia, com Ulisses a fundar a cidade de Lisboa. A viagem marítima de regresso a Ítaca sempre me comoveu, talvez pelo simbolismo que esta possui. Todos nós já nos sentimos como se numa embarcação frágil, à deriva, o mar tão fundo e o regresso tão distante. Mas também é exatamente isso que nos anima: o regresso. A esperança de voltar a casa, às pessoas que reconhecemos e que nos esperam... Se eu conseguir projetar em alguém esta pequena vitória quotidiana, então já valeu a pena ter escrito o poema.

E isto lembra-me o orgulho enorme que possuo em ser português, na nossa língua, na nossa cultura. Há um patriotismo literário que excede quaisquer partidarismos ou ideologias, porque assenta numa raiz profundamente emocional.

Senti isto muito bem quando entrei na Faculdade de Letras pela primeira vez. As gravuras do Almada a ilustrar diferentes feitos literários, o peso de nomes como Vitorino Nemésio ou David Mourão-Ferreira a ecoar nos corredores...
É, no fundo, isto que importa: a descoberta de uma identidade coletiva através da valorização artística e sentimental, a procura de uma solidão aconchegante e porventura já tão esquecida.

De resto, talvez olhem pela janela numa qualquer noite fria e, com sorte, lá esteja eu a colar panfletos pelos candeeiros de Lisboa."

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