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Dia da Mulher: “Que se celebre o que já foi conquistado e que se reclame o que ainda falta”

No Dia Internacional da Mulher, são quatro as estudantes que sobem ao palco do Auditório da Cantina Velha para celebrar esta data, através de um concerto de canções spoken word de quatro poetisas americanas: Elizabeth Bishop, Sylvia Plath, Adrienne Rich e Joy Harjo .

Dia da mulher - Quatro estudantes da FLUL

Lúcia Sousa, Mariana Belo, Mariana Paiva e Mariana Ribeiro explicam-nos as escolhas dos poemas para "4 American Woman Poets" e ainda a importância que existe nos dias de hoje em celebrar esta data.

De que forma é que a poetisa que escolheste contribuiu para desafiar a representação da mulher na nossa sociedade?

Lúcia Sousa (L.S.):  De uma forma muito parecida à própria poesia, Elizabeth Bishop desafia não só os paradigmas dominados por figuras masculinas, mas também o panorama da poesia escrita por mulheres sobre mulheres. Aos olhos dela, a mulher não é subalterna, nem está condenada a sê-lo.

Qual é a tua interpretação do poema que escolheste e qual o impacto deste a nível global?

Mariana Belo (M.B.): “A Woman Dead in Her Forties” de Adrienne Rich é um poema com uma vertente narrativa bastante marcada, sobre uma relação complexa e de longa data entre duas mulheres, uma das quais terá morrido de cancro da mama. O foco do poema está em todo o espaço que ficou entre elas, os sentimentos que ficaram por consumar (“I would have touched my fingers to where your breasts had been/ but we never did such things”) e os silêncios impossíveis de preencher (“We never spoke at your deathbed of your death”). Rich explora a tensão entre aquilo que era óbvio, natural, inevitável, mas que, por costumes sociais e privados, ficou perdido num fosso entre as duas mulheres. A natureza intimista e particular deste poema é também aquilo que o torna universal – a complexidade das relações, não só naquilo que é partilhado, mas também, e talvez sobretudo, naquilo que fica arrecadado nas sombras, no receio e na distância que cultivamos; a intimidade de que abdicamos porque a vulnerabilidade da conexão emocional nos paralisa e silencia.

 

Lúcia Sousa

 

De que maneira é que a poetisa que escolheste te inspira? 

Mariana Paiva (M.P.): É importante relembrar que Sylvia Plath escreve numa época em que o principal papel da mulher na sociedade ocidental era o de esposa e de mãe. Isto em meados do século XX, numa América culturalmente marcada pelo “Cult of Domesticity” (culto da domesticidade), onde os ideais de ‘mulher/dona de casa perfeita’ eram vigentes. Na sua obra, Sylvia Plath evidencia os papéis de género impostos à mulher, algo de inovador e necessário naquela época e ainda nos dias de hoje. A obra representa uma dualidade entre o querer ser uma boa mãe e mulher e a vontade de fugir à realidade imposta ao feminino. Esta necessidade de evasão é representada de forma íntima e inefável, tornando-se a luta interna de Plath na luta de todas nós.

Quais são as razões por detrás da escolha desta poetisa e do poema que vais recitar?

Mariana Ribeiro (M.R.): Para ser sincera, não conhecia Joy Harjo antes de me juntar a este projeto. Mergulhei no seu trabalho sob recomendação do professor Bernardo, a quem fico muito grata. Fui lendo alguns textos da sua obra She Had Some Horses e fiquei presa ao seu último poema, “I Give You Back”, pois foi aquele que me causou uma maior reação emocional após a primeira leitura e com o qual me relacionei mais a um nível pessoal por retratar uma mulher que finalmente se emancipa do seu “gémeo” opressor – o medo.

 

Mariana Ribeiro

 

O que é para ti ser mulher?

(M.R.): Penso no “ser mulher” como uma maneira de estar e sentir, uma mundividência, e encaro a feminilidade como uma poderosa energia que fomenta e dá asas à minha criatividade e autoexpressão, assim como a corrente invisível que me une a outras pessoas femininas e que, de alguma forma, nos liga a todas.

Consideras que, cada vez mais, estamos a caminhar para a igualdade de género?

(L.S.): Penso que nunca se tratou de uma luta linear. Apesar de existir uma maior consciência desta desigualdade, os obstáculos que vão surgindo, assim como as soluções que os mesmos exigem, vão tomando novas formas a que o feminismo se deve adaptar. Acima de tudo, é importante incentivar um pensamento crítico e flexível, adequado às diferentes experiências de cada mulher.

 

Mariana Belo

 

Na tua opinião, as mulheres ainda têm desafios a enfrentar relativamente à igualdade de género?

(M.P): O caminho rumo à igualdade de género é ainda longo, particularmente quando o colocamos a par de questões de raça, classe e sexualidade. A igualdade entre géneros está longe de ser uma realidade. Os desafios permanecem constantes e a luta por esses direitos é tão necessária e relevante como há 150 anos. Basta olharmos para o que aconteceu nos Estados Unidos, para retrocesso de Roe vs. Wade em alguns estados do país, para compreendermos que o corpo feminino continua a ser alvo de decisões politicas e de que os direitos das mulheres são voláteis. Na Europa, a disparidade nos salários é ainda de 13% e são ainda as mulheres que acarretam uma grande parte do trabalho doméstico e do cuidado à família. Em todo o mundo, meninas e mulheres atravessam, diariamente, dificuldades no acesso a produtos sanitários e sofrem descriminação por menstruarem, por serem mulheres e mães. Tudo isto são fatores com grande impacto para a qualidade de vida das mulheres em todo o Mundo e indicadores de que estamos ainda longe de alcançar igualdade de género. 

 

Mariana Paiva

 

Achas que a celebração desta data continua a fazer sentido?

(M.B.): Eu gostaria de ver este dia como um símbolo de igualdade conquistada e de uma luta passada, mas penso que ainda estamos a milhas desse objetivo. Eu poderia listar uma data de exemplos deprimentes como questões salariais, ou estatísticas de violência doméstica, mas o que me frustra é que poucas dessas informações seriam novidade para qualquer pessoa a ler estas palavras, e, no entanto, aqui continuamos a tentar que o mundo veja as mulheres como seres humanos de pleno direito e igualdade. Frustra-me que, ainda assim, se questione a necessidade de um Dia Internacional da Mulher com o argumento de que não há um Dia Internacional do Homem. Frustra-me que, pelo mundo fora, estejamos a observar retrocessos óbvios do que já tinha sido conquistado há anos.
Se a nossa ideia de um Dia Internacional da Mulher se resumir à oferta de flores, então se calhar não faz muito sentido. Mas se for um dia de pôr o dedo na ferida e relembrar que há muito trabalho ainda por fazer, em Portugal, e pelo mundo fora, para emancipar e empoderar todo o tipo de mulher, então sim, faz todo o sentido – que se celebre o que já foi conquistado, e que se reclame o que ainda falta.

 

Fotos: Duarte Pinheiro

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